22 Junho 2017
“O Papa Francisco é um profeta”, disse o Cardeal Gerald Lacroix, arcebispo de Quebec, em entrevista exclusiva à revista America, em Roma, no mês passado. “Ele está levando a Igreja para onde ela precisa estar. Está purificando a Igreja”.
A reportagem é de Gerard O’Connell, publicada por America, 21-06-2017. A tradução é de Isaque Gomes Correa.
O Concílio Vaticano II “fez um grande trabalho, mudou um monte de coisas, e agora Francisco está nos conduzindo a um outro nível”, declarou. “Ele continua a obra do concílio, não alterando estruturas ou com documentos, mas levando, você e eu, a termos uma relação mais profunda com o Senhor”.
O Cardeal Lacroix, de 59 anos, veio a Roma com os bispos de Quebec para uma visita ad limina em 11 de maio. Muitos deles já haviam feito antes visitas como esta, mas confidenciaram que a desse ano “foi muito diferente” dos encontros anteriores no Vaticano. Foi a primeira visita de Lacroix, que se sentiu energizado com a experiência.
“A ad limina já é uma prova de que a reforma da Igreja está avançando”, disse. Ele recordou que a visita dos bispos a diferentes dicastérios vaticanos quase sempre começava com as autoridades dizendo: “O Santo Padre quer que escutemos vocês e suas experiências. Então, por que não começamos por aí?”. O cardeal falou que estes encontros foram “belos; foi como uma família que nos acolhia”.
Os bispos tiveram duas reuniões com Francisco. A primeira foi uma sessão de três horas com o papa e os chefes de oito dicastérios. Vinte dos 29 bispos de Quebec falaram, assim como as autoridades vaticanas. Francisco falou no final por 15 minutos. Lacroix caracterizou este momento como de “sinodalidade” ou um “caminhar juntos”.
“Não são só palavras”, explicou. “Estamos discernindo juntos. Estamos escutando um ao outro, para descobrir o que o outro vive. Francisco está fazendo isto acontecer”.
O cardeal teve uma experiência parecida no Sínodo dos Bispos sobre a família em 2015. “Eu vi a mudança, o movimento enorme que ele nos fez fazer. Para uns, é difícil, mas eu já havia sido exposto à espiritualidade jesuíta antes, e gosto desse modo de discernir. Estou bastante feliz em ver isso acontecendo hoje. Esse momento mudará para sempre a Igreja. É um mundo novo”.
No segundo momento que tiveram com o papa, este encorajou os bispos quebequenses a serem um Igreja missionária, “uma Igreja que sai, que vai ao encontro do povo”.
O Cardeal Lacroix veio a Roma como arcebispo de Quebec quando Francisco foi eleito papa. Ele lembrou o momento em que o novo pontífice apareceu na sacada da Praça de São Pedro e “quando vi o Santo Padre (…) aparecer naquela varanda de batina branca e pedir ao povo que rezasse por ele, e depois se curvar diante das pessoas, eu falei: ‘Esse é o cara’. Fiquei profundamente tocado com sua simplicidade”.
Lacroix se sente “em comunhão” com o papa jesuíta. Ao mesmo tempo, disse: “Eu sou bem diferente dele. Quero dizer, ele é um erudito. Eu sou um filho de lenhador. Não sou um estudioso. Mas num nível pastoral, estou com ele. Como pastores, somos chamados a amar o mundo como Jesus amou, e é isso o que Francisco tem feito”.
Lacroix, então arcebispo, tinha ido a Roma para a inauguração do papado de Francisco, mas só teve a oportunidade de conversar com o novo pontífice no começo de dezembro de 2013, quando retornou para uma reunião no Vaticano.
“Eu me hospedei na Santa Marta. Estava tomando o café da manhã e ele veio à minha mesa e disse: ‘Eu sei que você tem reuniões e outras coisas, mas quando estará disponível para se encontrar comigo?’ A minha resposta foi: ‘Santo Padre, a qualquer hora que o senhor disser’. E Francisco disse: ‘Amanhã de tarde, às 17 horas, pode ser?’. Falei: ‘Claro!’”.
No dia seguinte, eles se reuniram no pequeno apartamento do papa na Casa Santa Marta. “Sentamos e conversamos por cerca de uma hora. Tive tempo para pensar algumas coisas que queria dizer, ele tinha algumas coisas também a falar. Conversamos em espanhol. Só falamos em espanhol. Isso era início de dezembro. Um mês depois, em 12 de janeiro de 2014, ele me designou cardeal. Não acreditei. Ser nomeado bispo já era um passo enorme, e depois arcebispo, mas agora isso…”.
Lacroix lembrou que, quando Dom Luigi Ventura, núncio apostólico para o Canadá, lhe telefonou em 2009 para dizer que Bento XVI o tinha designado bispo auxiliar para Quebec, ele respondeu: “Sou padre há 21 anos; sou um sacerdote muito feliz. Adoro o que faço. Com o povo estou no marco zero, apenas trabalhando com ele. O senhor pode dizer ao papa que eu não preciso me tornar bispo. Não aspiro a isso. Ele pode me deixar aqui onde estou. Sou pertencente a um pequeno instituto; posso dar continuidade à minha obra. Eu vou ficar muito feliz”. E o núncio observou: “Ah, você é um padre feliz? Então será um bispo feliz!”.
Lacroix estava bem em seu segundo mandato como presidente do Instituto Secular São Pio X quando Bento XVI o nomeou bispo. Antes disso, por 9 anos trabalhou como padre na Colômbia, numa região controlada pelas FARC. Foi enviado para aí em 1990, dois anos depois de ser ordenado, para expandir a obra missionária de seu instituto religioso.
Ao chegar na Colômbia, ele, juntamente com dois jovens e uma mulher, foram conversar com o bispo da Diocese de Popayán, a 560 quilômetros a sudoeste de Bogotá. O bispo abriu um enorme mapa da diocese sobre uma mesa e apontou para 12 paróquias que não tinham padres, algumas em áreas boas, outras nas periferias e uma “paróquia muito, muito pobre em uma zona de guerra, onde havia muitos guerrilheiros, e que não contava com um padre fazia cinco anos”. Lacroix respondeu que o grupo iria para onde o bispo achasse melhor. O bispo os designou para a zona de guerra.
Ele também lembrou que o padre que os levou de jeep até a paróquia lhes contou: “Não sei como vocês vão viver aqui. Irão passar fome. Estas pessoas não participam de nada”.
Quando chegaram à paróquia, havia o equivalente a cinco dólares em economias, mas a equipe não desanimou. Passaram a servir as pessoas e tiveram a confiança de que as coisas dariam certo. Os seis primeiros seis meses serviram para melhorar o idioma espanhol e aprender os costumes locais.
“Celebrávamos a missa às 7 horas da noite, todos os dias”, disse o cardeal. “Não tínhamos eletricidade. Usávamos velas e similares. A igreja se enxia de crianças, jovens, adultos, idosos; todos os dias eles vinham para a missa. Estavam sedentos para ouvir a Palavra de Deus e felizes por se juntar e celebrar”.
Havia 85 bairros na paróquia. O mais distante ficava a 18 horas, indo até lá de mula (não havia outro meio de transporte).
“Era simplesmente fantástico”, disse o Cardeal Lacroix. “Essas pessoas nos acolheram. Foram pacientes com o nosso espanhol. Nos tornamos bons amigos. Depois de três anos, tínhamos 100 ‘delegados da Palavra’, leigos que vinham para o centro paroquial três vezes ao ano para três dias de formação, e então voltar para os bairros. Aos domingos, eles traziam outras pessoas também, enterravam os mortos, preparavam as pessoas para receberem os sacramentos e nós visitávamos as localidades para celebrar a missa, e assim por diante. Era simplesmente fantástico. Tínhamos uma relação de amor”.
O Pe. Lacroix e sua equipe trabalhavam numa região onde os guerrilheiros atacavam o exército e a polícia. “Houve inúmeros ataques, vários tiroteios, muitas mortes, fosse com relação às guerrilhas, fosse com relação às drogas”, disse. “Muita cocaína era produzida na região, por estar num ponto isolado do país. Era uma região bem difícil”.
O grupo sofreu ataques e, às vezes, a sua vida esteve em perigo, mas estes momentos sempre aconteceram do lado de fora da paróquia. “Na nossa paróquia, eles não tocavam. Os guerrilheiros tinham um enorme respeito por nós”.
Depois de trabalhar aí por nove anos, chamaram Lacroix de volta ao Canadá e, em pouco tempo, o elegeram presidente do instituto religioso, posto que ocupou por quase dois mandatos, até que Bento XVI o nomeou bispo em Quebec, já em 2009, e arcebispo em fevereiro de 2011, sucedendo o Cardeal Marc Ouellet, chamado a Roma pelo papa para encabeçar a Congregação para os Bispos.
Filho mais velho de sete irmãos, Lacroix nasceu de família “humilde, não muito rica” falante de francês, e tinha apenas 8 anos quando migraram de Quebec para Manchester, em Nova Hampshire, EUA, em busca de uma vida melhor. Aí, vivenciou o significado de ser imigrante: não falar o idioma, estando numa cultura diferente. Porém disse que a sua família foi abençoada para viver em paróquias que eram “verdadeiras famílias”, que lhes acolheram e ajudaram.
Na juventude, Lacroix juntou-se ao Instituto Secular São Pio X, que também é “uma família”, composta de padres, casais, famílias e leigos. Ele se juntou na qualidade de membro leigo e retornou ao Canadá, onde trabalhou por cinco ano em restaurantes e por seis anos como artista gráfico. Mais tarde atuou ainda como designer. Aos 25 anos, desejando ter uma experiência missionária, afastou-se do trabalho para ir à Colômbia e ficar por seis meses em uma missão do próprio instituto. Foi aí onde ouviu o chamado para o sacerdócio.
Ordenado padre em 1988 aos 31 anos, foi mandado de volta para a Colômbia dois anos depois e passou nove anos trabalhando numa zona de guerra.
“Eu ainda estou numa região chamada periferia”, disse ele, “pois Quebec é uma sociedade secularizada; somos cada vez menos cristãos. É uma periferia. A periferia não é somente as pessoas que vivem nas ruas. As pessoas que desconhecem a Deus ou que o rejeitam são as periferias, e nós precisamos estar aí para elas também”.
Lacroix espera que Francisco visite o Canadá; os bispos o convidaram, e “o povo gosta dele. E quanto mais nos afastamos da Igreja, mais elas gostam dele”.
“Precisamos do papa, as pessoas precisam ver este cara”, disse. “Ele é cheio da alegria do Evangelho. É próximo do povo. Uns dizem que as pessoas vinham ver João Paulo II porque ele era um bom comunicador, que viriam escutar Bento, pois o que ele tem a dizer é tão profundo, e agora elas vêm para tocar a Francisco. Ele toca o coração das pessoas; ele vai às periferias da vida. Já estive com ministros batistas que me disseram: ‘Ele é o nosso papa também porque vive o Evangelho’”.
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Cardeal canadense passou 9 anos em zona de guerra na Colômbia. Hoje, serve numa nova periferia - Instituto Humanitas Unisinos - IHU